terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Jogos de Tabuleiro e Intervenção Social: Uma experiência (em Leiria) - Opinião por Edgar Bernardo

Decorria o ano de 2013 e estávamos a jogar jogos em casa de um amigo, como aliás o fazíamos com relativa regularidade. Então os jogos eram a 4 ou mais, não haviam filhos nem filhas, e o tempo disponível era praticamente total, não importava se começávamos à meia-noite ou se acabávamos madrugada dentro. Mas os rebentos surgiram e o tempo disponível foi abruptamente reduzido e, precisamente no momento mais complexo das nossas vidas, entre minis e aperitivos enquanto jogávamos (já não sei o quê), este meu amigo lançou a ideia criar um projecto social numa associação local a AFA (Associação Fazer Avançar).
 
Seguir o grupo em: https://www.facebook.com/groups/boardgamersleiria/
Logótipo criado por Raul Testa

O propósito seria, por um lado, encontrar um espaço para jogarmos com outras pessoas, criando novos laços sociais e experimentar jogos novos, e por outro, levar estes mesmos jogos a jovens carenciados ou de alguma forma marginalizados tornando um momento lúdico e de entretenimento em, simultaneamente, algo pedagógico e capaz de inserir estes mesmo jovens.

Após a aprovação da direção da AFA decidimos, eu e o Micael Sousa, avançar com o projecto. Numa primeira fase, apenas realizar encontros mensais na nossa cidade até termos uma vintena de participantes regulares. Então entraríamos numa segunda fase em que, com o apoio de alguns desses participantes, faríamos as tais atividades com jovens, especificamente com os internatos (ou orfanatos) masculino e feminino de Leiria.
Sala dos primeiros encontros entre 2014 e verão de 2016 na sede da AFA
 
 
Na primeira sessão, no Outono de 2014 éramos as 6 pessoas que regularmente se encontravam tendo participado apenas os membros da direção da AFA. Se a memória não me falha éramos aproximadamente 10 pessoas no total. Já na segunda sessão éramos cerca de 12 mas algumas pessoas eram novas. Nesse mesmo dia verificámos que existia a vontade de realizar uma segunda sessão mensal, e assim foi. Na terceira sessão, a segunda desse mesmo mês de Setembro, os participantes aumentaram e a vontade de realizar os eventos semanalmente surgiu. Havíamos chegado a um evento semanal que já contava com cerca de 30 a 40 participantes no total, sendo que em média por evento apareciam 12 a 16.

Volvido o primeiro aniversário dos encontros do Clube de Boardgamers de Leiria, como nos passámos a chamar, havia chegado o momento de aumentar a organização dos eventos em preparação para iniciar o projecto social previsto. Assim, convidámos 4 participantes regulares a integrarem o núcleo de organização. Com a equipa reforçada deparamo-nos com o primeiro problema concreto para o nosso projecto social, apenas tínhamos os nossos jogos pessoais, aqueles que também partilhávamos nas sessões semanais, sendo que apenas alguns seriam adequados para introduzir pessoais ao hobbie, quanto mais para aplicar neste projecto. Precisávamos de adquirir jogos, ou seja, criar uma ludoteca que servisse primeiros o projecto social e em paralelo as sessões semanais, idealmente, jogos de introdução e alguns mais didáticos e pedagógicos.
 
Jantar comemorativo do 100.º encontro semanal de jogos de tabuleiro
 
 
Surgiu a hipótese de realizar junto da Fnac de Leiria um evento pontual de promoção que tinha três objectivos, da nossa parte era promover o grupo e o projecto, mas também tentar cativar a Fnac a envolver-se no projecto contribuindo com alguns jogos para a ludodeca; o terceiro objectivo era da própria loja, que procurava promover os jogos que tinha à venda. Assim, nessa promoção, resolvemos colocar alguns jogos que a Fnac tinha à venda nessa loja à disposição para qualquer pessoa experimentar, testar, tendo a oportunidade única de encontrar alguém ali, nós, disponível para explicar o jogo. O evento foi um sucesso e foi seguido por outros, sempre num calendário trimestral.
Uma segunda forma de conseguir rechear a ludoteca foi através da aceitação de doações, algumas até da própria organização, mas sobretudo de criadores de jogos nacionais que podiam em contrapartida fazer exposições dos mesmos nas nossas sessões. Aqui temos de referir e agradecer o apoio do Nuno e do Paulo, dois criadores de jogos nacionais residentes no nosso distrito, com alguns jogos de promoção internacional, que nos ofertaram vários dos seus jogos. Conseguiram inclusivamente convencer outros designers nacionais a fazer o mesmo, assim como colegas da sua associação a Spiel Portugal.
 
Sessão de demonstração de jogos de tabuleiro na FNAC Leiria
 
 
Em boa verdade, foram eles que nos convenceram a avançar com as sessões em Leiria, na altura sem qualquer pendor social, apenas o desafio de tentar criar eventos lúdicos de jogos de tabuleiro na nossa cidade. Através deles, e com eles, participámos na Leiriacon 2015 como voluntários pela primeira vez. Esta concentração é a maior de Portugal, reúne centenas de pessoas de todos país e até de vários países da Europa. O nosso voluntariado foi ao início mais simbólico que concreto, mas fizémo-lo em nome do CBL (Clube de Boardgamers de Leiria). Isso permitiu promover ainda mais as nossas iniciativas ao longo destes anos. Desde então, incluindo este ano, temos vindo a participar cada vez mais na organização e somos já vários os voluntários do CBL a co-organizar o evento.
 
 
Voluntários do CBL na Leiriacon 2017

Então e o projecto social? Com a ludoteca a ganhar forma e com uma organização que era composta por cerca de 10 pessoas, iniciámos ao primeiro projecto social do CBL da AFA. Em parceria com a pediatria do Hospital de Leiria criámos um evento especial em que levamos jogos de tabuleiro às crianças internadas na pediatria, e respetivas famílias, mensalmente.

Entre todos estes momentos participámos em diversos eventos de outras associações, feiras na cidade e outros eventos municipais que foram promovendo os nossos eventos e trazendo cada vez mais diversidade de pessoas aos nossos encontros. Tivemos também iniciativas em escolas.

Um outro evento mais recente que criámos foi uma atividade com a universidade sénior de uma cidade próxima, Marinha Grande. Neste evento levámos voluntários de várias idades, crianças e adultos, a ensinar aos alunos da universidade sénior o que são os jogos de tabuleiro modernos, promovendo uma atividade inter-geracional que, de acordo com os mesmos, foi um sucesso. Uma atividade que já se pretende tornar regular.
 
 
Sessão de jogos de tabuleiro com a Universidade Sénior da Marinha Grande

Então e o projecto social com os jovens do internato? Já lá chegamos. Resta ainda referir que nas sessões semanais do CBL eram, e são, cada vez mais as famílias com crianças. Mas dado que as sessões decorrem noite dentro, tornava-se complicado que mais crianças e suas famílias pudessem participar, pois na sua maioria os participantes e seus descendentes regulares nas nossas sessões já eram fãs deste hobbie antes de aumentarem a sua família. Desta forma convidámos formalmente duas das nossas participantes regulares a liderarem um outro projecto social destinado a famílias, a decorrer ao sábados. Assim aconteceu, e novamente tivemos enorme sucesso com várias dezenas de participantes logo na primeira actividade.
Actividade a actividade, evento a evento, o CBL foi ganhando notoriedade, respeito e a atenção dos media regionais que hoje fazem referência aos nossos eventos, potenciando o seu alcance e acelerando a multiplicação de novos projectos. Entre outras iniciativas que estamos a preparar, destacam-se novas parcerias com outras associações que trabalham em regime de voluntariado com vários tipos de públicos.
 
Voluntários do CBL numa sessão da Pediatria do Hospital de Leiria

Bom. Quanto ao projecto de inserção social para jovens dos internatos locais, aquele que motivou todo este projecto, esse... bem esse ainda não aconteceu. Falamos entre nós que este ano será finalmente o ano, mas com tantos projectos e atividades em mão só o tempo o dirá.

O objectivo deste texto, desta descrição da experiência que foi e é o CBL da AFA, é sobretudo motivar outros a fazerem o mesmo e melhor nas suas cidades, seja onde for. Os jogos de tabuleiro não têm de ser uma experiência elitista, ou uma atividade reclusa em contexto familiar ou um momento apenas a partilhar com os amigos mais próximos. É possível sonhar alto, ir chegando lá em cima degrau a degrau, mesmo se essa escadaria nos leva para andares ao lado daquele que pretendíamos, estamos a subir, e a subir...
 
Uma sessão semanal de jogos de tabuleiro no Centro Cívico de Leiria em 2017

O CBL já não é o meu projecto ou o projecto do Micael, hoje é um projecto de todos os que se envolvem e se querem envolver. Estamos num momento, volvidos apenas 3 anos e pouco, em que o projecto pode funcionar mesmo sem o nosso envolvimento. Isto deixa-nos muito entusiasmados e felizes porque sabemos que caso algo surja nas nossas vidas que impeça a nossa dedicação a este projecto, ele não morre ou fica congelado para um dia mais tarde se tudo correr bem.

Lanço o desafio, a esses amigos e conhecidos que se encontram mensal ou semanalmente para jogar um jogos, de ponderarem realizar projectos semelhantes, num espírito de cidadania activa, não por um Mundo melhor, mas uma comunidade mais próxima, mais envolvida, se quiserem, o vosso mundo!

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