domingo, 15 de abril de 2018

Os jogos são como peças de teatro e os designers dramaturgos? – Opinião por Micael Sousa

Costumo dizer que depois de um jogo de tabuleiro bem jogado, especialmente aqueles com mais substância, há sempre uma história para contar. Isto pode ser mais forte nuns jogos que noutros, mas acontece quase sempre naqueles jogos modernos mais bem cotados e populares entre a comunidade de gamers. Acontece nos eurogames e jogos económicos também. Nem precisa de ser um jogo de storytelling para haver algo que falar no final. Quantos de nós, depois de estar umas duas horas a jogar, não gastámos mais meia hora a discutir o que se passou no jogo? Quais as estratégias que adotamos, como interferimos uns nos outros. Aquelas jogadas brilhantes e as outras que se revelaram péssimas, algumas mesmo ridículas. Nos jogos de negociação e onde podemos tentar manipular os adversários, gerar alianças e simplesmente passar dissimulados, entramos num role play que se aproxima de uma tentativa de experimentação de encenação, onde nós próprios somos os atores. Se o jogo for de role play e storytelling então a associação é direta. Visto de fora, quando analisado por terceiros, um jogo de tabuleiro, serve para analisar comportamentos dos atores sociais envolvidos.

Autor: Luci Gutiérrez Fonte da imagem: https://www.newyorker.com/magazine/2018/01/22/shakespeare-off-the-cuff

Estava então eu a ler o livro “Loving Eurogames: a quest for the Well played game” de Scott Erway e deparei-me com uma analogia semelhante à que referi anteriormente. Para o autor os jogos geram um entretenimento de cariz dramático. Numa associação à obra Poética de Aristóteles, sobre as razões que levavam os dramas e comédias do teatro grego a gerarem risos e lágrimas nas audiências, Scott Erway desenvolve a sua teoria. O segredo para os efeitos emocionais individuais e coletivos do teatro reside na estrutura dos atos. No primeiro ato as circunstâncias são introduzidas, o que poderá ser visto como as eventuais explicações necessárias das regras e o setup de um jogo. No segundo ato são realizadas as escolhas irreversíveis que vão construindo a dinâmica do jogo e contribuem para aumentar tenção, tal como a construção das bases para a estratégia que os jogadores pretendem implementar para atingir os objetivos. O jogo vai sendo mais intenso à medida que chega ao fim, tal como uma peça de teatro ou filme. Depois acontece o fim, o desenrolar da ação no terceiro ato, a surpresa, o culminar e definitivo da concretização do que vinha a ser construído até o ponto em que tudo fica decidido. Bem, aqui a descrição tanto dava para uma peça dramática/cómica como para um jogo. Nas últimas jogadas é feito o último confronto e esforço para completar os objetivos, ficando evidente se a competição ainda vale a pena ou se é inevitável o desenlace.

Então um autor de um jogo é como um dramaturgo que constrói os palcos de interação para uma história. As personagens numa peça e os cenários representam arquétipos. Nos jogos também se invocam esses arquétipos através dos componentes, que nos ativam a consciência e geram narrativas e meta-narrativas. Provavelmente isto irá envaidecer os designers de jogos, provavelmente justamente. Será um jogo de tabuleiro uma gamificação de uma peça dramática? Se for estamos perante mais uma das vantagens de jogar este tipo de jogos. Vamos a palco no tabuleiro? Mas nem todos os jogos conseguem gerar isto nos jogadores, nem todos os jogos são bons e nem todos os jogadores apreciam esta produção dramática.

Referências bibliográficas:
Erway, Scoot. Loving Eurogames: a quest for the well played game. Carnation: Griffin Creek Press, 2017.

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