sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Discriminação de Género nos jogos de tabuleiro - Opinião por Edgar Bernardo

Como prometido este texto será dedicado à discussão sobre a discriminação de género nos jogos de tabuleiro. Por discriminação de género entenda-se qualquer distinção, exclusão ou restrição feita com base nos papéis de género. Um exemplo clássico será assumir que as mulheres são automaticamente piores condutoras que os homens, ou que os homens são de alguma forma mais capazes de assumir papéis de liderança do que as mulheres. Os exemplos abundam, com mais ou menos variações de grupo cultural para grupo cultural.
 
Mulheres jogando Xadrez 
Manuscrito de 1283, Mosteiro do Escorial, Espanha

Existe uma narrativa que confere à comunidade de jogadores de tabuleiro modernos um elevado moral e uma filosofia subjacente que sugere uma atitude de inclusão, partilha e de uma espécie de superioridade ética face a outros tipos de jogos. Nessa premissa é comum escutar-se que de alguma forma quem joga os jogos de tabuleiro modernos, ou contemporâneos, reconhece essa actividade como não competitiva de ócio assente em princípios e valores particularmente mais elevados que os demais.

Este parágrafo em si podia ser estendido a um texto, ainda assim serve o propósito da provocação, autocrítica e reflexão para quem o lê (e escreve). Todavia, o objectivo aqui é enquadrar a discriminação de género enquanto realidade mais ou menos consciente por parte de quem desenha os jogos, escreve as regras, e cria o grafismo dos mesmos. Diria que essa atitude é em parte também reflexo do próprio consumo dos jogos por parte dos seus jogadores, na sua esmagadora maioria homens.

Bom. Existindo ou não uma narrativa de superioridade moral na comunidade, o facto é que estamos para lá do século XX e ainda somos confrontados com uma vasta discriminação de género nesta actividade.

Vejamos os exemplos mais reconhecidos publicamente, como o facto do jogo infantil “Quem é Quem?” apresentar apenas 5 mulheres e 19 homens, ou da edição especial de Risk (2008) que se publicitava desafiando os compradores com o slogan “És homem o suficiente?”. Dois exemplos claros de discriminação. A primeira de exclusão e a segunda de restrição. Será assim tão complicado definir outras variáveis e permitir que exista um número próximo de personagens masculinos e femininos num jogo infantil, ou no lugar de aludir à masculinidade no Risco, aludir à liderança!?

Um outro exemplo mais extremo é o de “Busen Memo”, onde os jogadores têm um jogo de memória cujo objectivo é emparelhar seios femininos de diferentes feitios e formatos. Mais comentários serão desnecessários… Ou ainda, numa referência à comunidade LGBT vale a pena referir o Monopólio na edição especial de 1986 “Celebration of Gay Life”, uma versão profundamente discriminatória reforçando os estereótipos associados ao hedonismo homossexual, onde no lugar de hotéis os jogadores compram bares e termas/spas’, usando como tokens de jogador um secador de cabelo, algemas, salto alto…

Numa análise das capas de jogos de tabuleiro realizada no verão passado o blogger Erin Ryan concluiu que mais de 60% das mesmas apresentavam apenas homens, ao passo que só 5% representavam apenas mulheres. Os 35% restantes variavam entre capas mistas, capas sem pessoas, e capas apenas com animais. Aliás muito se comentou o facto de existirem mais ovelhas representadas que mulheres, o que por si só é interessante.

É evidente que não estou a afirmar que todos os jogos padecem destes problemas, na verdade, existe até uma tendência nos últimos 5 anos para um equilibro nos grafismos das capas dos jogos, por exemplo “Dead of Winter”. No “Pandemic” e no “Police Precint” têm até mulheres e homens na capa sendo que as mulheres estão numa situação de destaque. Noutra vertente da actividade, são cada vez mais as apresentadoras em canais partilhados dedicados a jogos de tabuleiro, e jogos que possibilitam tanto a escolha de personagens de “ambos os géneros”, como no “Robin Crusoe”.

Apesar destes exemplos serem positivos, representam ainda apenas uma fracção do total de jogos de referência. Vejamos o caso muito recente de “Through the Ages” onde todas as figuras históricas são homens, ignorando os inúmeros exemplos de mulheres como exemplo de figuras históricas extraordinárias.

Um ponto determinante parece ser o próprio consumo dos jogos, pois uma vez que que (por exemplo) perto de 90% dos utilizadores do BBG são homens, é de assumir que a maioria dos seus consumidores são do género masculino. Desta forma as empresas, procurando aumentar a sua facturação, apelam a valores discriminatórios focados no seu público-alvo, cativando-o com alusões à masculinidade e virilidade nos personagens masculinos e a objectivação e sensualidade nas personagens femininas.

Considero pertinente por isso apelar à comunidade no sentido de alertar os produtores, designers e criadores dos grafismos para esta distinção injusta, ao mesmo tempo a incentivar mais jogadores do género feminino a manifestarem a sua opinião e a envolverem-se nestes processos profundamente dominados pelo género masculino. Por tudo isto, e num mote à comunidade brasileira termino procurando a vossa opinião e dizendo: “mimimi!?”.

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