sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Jogos para reforçar laços sociais nestas festividades - Opinião por Micael Sousa

Com as festividades a aproximarem-se quero fazer algumas recomendações para aproveitarmos estes tempos livres com família e amigos. A grande maioria das pessoas vão estar mais tempo do que é habitual rodeadas de muitas outras pessoas com laços afetivos. Nada como aproveitar para meter a malta toda a jogar, a falar e reforçar laços sociais e emocionais. Por vezes um desbloqueador ou catalisador ajuda e há jogos perfeitos para isso!
Para estas festas quero então recomendar alguns jogos que conheço, especialmente para não gamers, desde o party game ao jogo de estratégia mais light. Podem dizer que havia muitos outros que deveria ter recomendado, mas obviamente não conheço tudo. Mesmo se conhecesse não cabia tudo neste texto de blogue. Por outro lado, alguns destes jogos podem ser encontrados facilmente em algumas lojas locais. Podem encontrar reviews mais aprofundadas de alguns destes jogos aqui no blogue.


PARTY GAMES E FILLERS:

Spyfall – Vamos meter até 8 pessoas a conversar para apanhar o espião, ou para o espião, de forma dissimulada, descobrir onde está. O jogo é muito fácil de explicar e de começar a jogar. Cada jogo demora entre 10 a 15 minutos. O difícil vai ser parar, pois as perguntas e respostas podem ser super divertidas, especialmente pelas reações e comportamento das pessoas. Um jogo de observação, comunicação formal e informal, e muita dissimulação.

Dixit – Podem jogar simultaneamente até 12 pessoas, dependendo da versão do jogo. Aqui reina a imaginação, mas também alguma estratégia. Vamos contar pequenas histórias e tentar misturar cartas para ajudar ou baralhar as decisões quando chegar o momento de identificar a carta corresponde à história contada pelo narrador ativo. O resultado pode ser surpreendente e divertido, durando cerca de 30 minutos um jogo completo. Aqui a imaginação é o limite.

Codenames – Fazemos duas equipas e vamos competir por adivinhar mais pistas que os concorrentes sobre palavras em cartas sobre a mesa. Tematicamente essas pistas correspondem a espiões. Joga-se de forma cooperativa, mas tem de haver alguma estratégia de grupo à mistura, as decisões devem ser discutidas. Supostamente seria até 8 jogadores, mas podem juntar-se mais à festa, que pode durar uns 20 minutos.

Dobble – Super rápido e excelente para crianças mais pequenas, podendo juntar 8 pessoas à mesa. Quem for mais rápido a encontrar os símbolos correspondentes nas cartas em jogo ganha. Pode não parecer, mas há sempre um símbolo igual em cada carta. As jogos podem durar apenas 5 minutos.


Coup – Entramos no bluff e na dedução. Temos de eliminar os adversários, mas joga-se muito rápido, 10 minutos. Podem jogar até 6 pessoas em simultâneo. Mas nem tudo é aldrabice. Podemos simplesmente dizer a verdade e atuar desse modo. Pode haver muita estratégia envolvida.


Hanabi – É um jogo de cartas cooperativo em que o objetivo é construir uma seguência de cartas. Só que cada jogador não conhece as cartas que tem, somente os restantes jogadores as podem ver. Asim todos têm de cooperar para conseguir fazer a sequência coletiva, dado pistas indiretas a cada jogador para que escolha, sem ver, qual a carta certa a jogar para completar a sequência coletiva. A boa disposição está garantida, especialmente porque é muito dificil não fazer batota com toda a gente a ver.

Sushi Go! – Trata-se de um jogo de draft, em que cada jogador tenta escolher de cada grupo de cartas a melhor para a refeição que está a construir, depois passando as restantes aos jogadores do lado. Tendo-se escolhido tudo, sempre desta forma, vamos ver quem soube construir a melhor ementa de sushi, o que na prática se faz contando quem conseguiu mais pontos com as cartas, isoladamente ou em combinações. É um jogo rápido, que cerca de 20 minutos, que pode ser jogado por 5 pessoas em simultâneo.
ESTRATÉGIA E GESTÃO LIGHT:

Catan (e Catan junior) – É o grande clássico, o mais velhinho destas recomendações (1995). O Catan pode ser demorado, facilmente chegando às duas horas de jogo, com 4 jogadores em simultâneo, mas indo até 6 com a expansão. É relativamente fácil de jogar e intuitivo. Usam-se dados e as trocas de recursos criam dinâmicas interessantes e divertidas. O ladrão pode ser tão irritante como divertido. Há algum fator sorte no lançamento de dados, o que nem sempre é mau para um jogo de introdução. No entanto o fator sorte é mitigado se os jogadores diversificarem e estudarem as probabilidades em causa. Surpreendentemente o Catan Junior, pensado para idades a partir dos 6 anos, pode ser igualmente interessante, sendo muito mais rápido de jogar (30 minutos), mas conseguindo captar a essência do original.

Ticket to Ride – Um clássico que se aprende num instantinho. Muito giro pelos componentes (mini comboios) e pelos mapas. Algum fator sorte, tal como o Catan, mas com algumas escolhas e possibilidade de definir estratégias de curto e longo prazo. Ótimo para ensinar novatos. Dependendo do número de comboios em jogo, podemos reduzir o jogo para os 60 minutos se jogarmos com menos peças. Permite jogar com 5 pessoas. É simplesmente boa onda andar a passear de comboio!

Stone Age – Pode ser um bocadinho mais difícil de aprender por quem nunca jogou. Existem dados para lançar, muitos recursos para apanhar com os membros da tribo. Tribo essa que podemos fazer crescer. Trata-se de um típico de alocação de trabalhadores (aqui membros da nossa tribo) que serve bem de introdução ao género. Os componentes podem atrair, tal como algumas decisões que podem fazer despertar o gosto pelos jogos de gestão. Pode ser facilmente jogado por crianças com mais de 8 anos. Permite jogar até 4 jogadores, demorando de 60 a 90 minutos.


Pandemic – Trata-se de um jogo cooperativo em que todos os jogadores terão de tentar erradicar doenças do mundo. Ou ganham ou perdem todos. É um jogo interessante para reforçar o espírito de grupo e incluir todos na dinâmica. O jogo é relativamente simples e joga-se em 60 minutos, até 4 pessoas.


Splendor – Trata-se de um jogo de gestão de recursos e combinações, quase uma corrida. Pode parecer abstrato, mas é fácil de ensinar e as pessoas tendem a apreciar o desafio mental de geri fichas que representam pedras preciosas e com elas comprar cartas que geram mais fichas e pontos. Joga-se até 4 pessoas, em cerca de 45 minutos. Tanto criança como adultos costumam apreciar o jogo.


Agricola (versão familiar) – A última recomendação é para quem quer experimentar uma coisa mais consistente, menos dependente da sorte, estamos perante um Eurogame (jogos de gestão mais determinísticos e com menos confrontação). O Agrícola pode ser jogado em várias versões, permitindo até 5 jogadores em simultâneo (ou 6 com a expansão). Recomendo a versão familiar para começar, mais rápida e com menos decisões e opções interrelacionadas. Aqui vamos gerir uma família de agricultores, tentando sobreviver e desenvolver a nossa quinta. Vão existir dificuldades, mas as opções são várias, embora os adversários possam atrapalhar. Trata-se de um dos mais conhecidos e reputados jogos de locação de trabalhadores e gestão de recursos. Este é sem dúvida o melhor jogo destas recomendações e aquele que dará mais que pensar. No fim ganha quem tiver a quinta mais desenvolvida através do seu mérito próprio.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Racismo nos Jogos de Tabuleiro - Opinião por Edgar Bernardo

Na última intervenção sobre o mundo Meeple optei por apresentar alguns comportamentos dos Meeples baseados em pessoas concretas com quem jogo semanalmente. Comportamentos que certamente terão paralelo na experiência de qualquer jogador de tabuleiro. Terminei esse discurso com a promessa de abordar a questão dos Meeples brancos e pretos no universo do Jogos de tabuleiro, mais concretamente, proponho abordar se existe de facto Racismo nesta indústria de entretenimento.
 
Fonte da imagem: http://www.gettyimages.pt/detail/v%C3%ADdeo/animated-3d-chess-pawns-turning-filmes-de-arquivo/472417299

De facto não é com a maior assiduidade que as cores branca e preta surgem nos jogos de tabuleiro nos Meeples, na maioria dos casos, estas cores são reservados para marcadores de rondas, acções, e outras componentes neutrais. Esta determinação emerge derivada a duas questões fundamentais. A primeira, centrada na visibilidade, ou seja, são cores que se destacam nos tabuleiros; a segunda, um recalcamento “eurocêntrico” face a cargas simbólicas histórico-culturais das nações que produzem estes jogos.

A corroborar a primeira situação temos os jogos clássicos, como damas ou xadrez, onde se procuram utilizar estas duas cores, elas próprias num tabuleiro monocromático, o que ainda mais destaca as peças com clareza. O que pretendo dizer é que existia uma motivação clara para a utilização destas duas cores nas peças.

Quanto à segunda questão, a do eurocentrismo, ou ocidentalismo, como preferirem, esta assenta na ideia de que dado o percurso histórico-social dos países europeus, e de resto ocidentais, responsáveis pelo processo de massificação da escravatura à escala global, assim como a rotulação de certos grupos étnicos com cores, por exemplo, os chineses como os amarelos, foi desenvolvida uma sensibilidade na utilização de cores nas peças dos jogos de tabuleiro. Nesta sensibilidade não se tem por hábito utilizar as peças pretas para representar escravos, ou peças brancas para representar um elemento determinante ou dominador num jogo de tabuleiro.

Na minha opinião, dois exemplos deste recalcamento infundado é o facto de escravos mudarem de nome para colonos e ainda assim mudar a cor de preto para castanho (ex. Puerto Rico), ou o facto da peça que representa o Rei no El Grande ser ora castanha ora negra e não branca ou azul. Porque haveria de branco ou azul ser mais adequado? Porque a cor branca permitiria ver com maior clareza a peça, ou azul porque historicamente a monarquia era apontada como tendo “sangue azul”, por exemplo.

Aqui entramos no ponto que queria tocar. Será que um jogador ou mesmo um designer de jogos de tabuleiro deve seleccionar as cores a atribuir tendo em mente a jogabilidade do jogo ou as sensibilidades culturais? Sinto que a maioria dos leitores diria que ambas as situações devem pesar nessa decisão, mas a verdade é que existe uma tendência para atribuir maior peso às sensibilidades culturais e assim, incorrer no risco de discriminação face a outras culturas. Eu explico.

Olhando para uma psicologia ocidental das cores podemos verificar que a cor branca é vista como de pureza e transparência, ao passo que a preta como de mistério e desconhecimento, por outras temos o branco como cor associada a aspectos positivos e a preta a dúbios, exóticos até. Esta é a visão eurocêntrica que todos tomamos como global no entanto a realidade é múltipla e mais complexa e devemos considerar que ao optarmos por esta posição poderemos estar a ferir outras susceptibilidades.

No oriente, concretamente na China, a cor preta está associada ao neutral e divino, e como tal ao poder do imperador, ao passo que a branca está associada à pureza, mas de forma oposta à ocidental, já que a pureza aqui é sinónimo de luto. Na Índia, o preto está associado à inércia e a representações do mal, ao passo que o branco é também cor de luto e de paz. Ou seja, tem semelhanças e diferenças com tanto o Ocidente como com a China. Já no Peru o branco é associado a bem-estar e à temporalidade e o preto à virilidade masculina…

Os exemplos podem ser múltiplos mas a questão mantém-se: Não será absurdo atribuir demasiado valor simbólico às cores quando estas significam coisas diferentes de cultura para cultura? Não fará sentido usar as cores para tornar o jogo mais aprazível e mais claro e não tanto pesar essa componente cultural? Ou por outra, não será mais interessante, até em termos de temática, usar as cores a favor da imersão no jogo, e não em função das cargas políticas e sociais contemporâneas?

Usando novamente o exemplo do Puerto Rico, não faria mais sentido no lugar de colonos usar escravos e esses escravos serem representados por peças pretas? A verdade é que não eram os colonos brancos que as cultivavam mas sim os escravos africanos. Estará um jogador a ser racista, ou o designer, por ser historicamente correto?

Eu considero que o ponto-chave para a sensibilidade histórico-cultural não reside na atribuição politicamente correta das cores nas peças e Meeples, mas a sua capacidade de nos arrastar para esse imaginário de forma construtiva e divertida. Eu abomino o racismo e a escravatura, e não é por não serem peças castanhas ou verdes que considero que podemos educar quem jogo sobre essa realidade passada, pelo contrário, é pelo confronto com a realidade que conseguimos ultrapassar esse complexo e avançar enquanto espécie (mais ou menos) inteligente.

Em suma, racismo é um comportamento assente em valores falaciosos que colocam grupos étnicos em ordem de grandeza utilizando variáveis histórico-estéticas sem valor real. É algo construído ao longo do tempo e que a sua desconstrução obriga ao confronto. A fuga a esta prisão do recalcamento e do politicamente correto incorre na perpetuação do problema e não o resolve, é uma opção paliativa passiva.
Considero com toda a firmeza que se um jogo não retracta um grupo étnico de forma aleatório está a ser racista, com a excepção de escolher deliberadamente cores que tendam representar historicamente uma situação político-social particular, como já argumentei no exemplo do Puerto Rico. O racismo associado à imagem é um tema interessante e que merece um olhar mais atento à forma como vemos o “outro” e “nós próprios”.

Aliás esta questão do racismo nos jogos de tabuleiro leva-nos a outra questão próxima mas que, a meu ver, é realmente preocupante, a discriminação de género nos jogos de tabuleiro, o próximo ponto a debater.
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